A falta de denúncia ainda pode estar fazendo muitas crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual em casa
Quando o próprio lar não é refúgio seguro para os problemas do mundo, a criança pode deixar de ter abrigo debaixo da asa da própria família. E se o silêncio sobre o que se passa entre quatro paredes for maior que o respeito ao próximo, o abuso sexual contra crianças e adolescentes tem aí um grande aliado: a falta da denúncia. Algozes ou também vítimas, familiares de menores que passam pelo crime de violência têm um poder da denúncia, que nem sempre é fácil, mas tem tudo para ser menos difícil do que o trauma físico e psicológico por que são vítimas os pequenos cidadãos, meninos e meninas, abusados pelo pai, ou um padrasto, tio, primo etc... No Interior, o debate está rompendo tabus e as primeiras medidas têm sido tomadas, seja por trabalho individuais do Poder Judiciário, de uma Secretaria de Assistência Social, ou agora que a Comissão da Infância e Adolescência da Assembleia Legislativa do Estado está encampando a luta contra a violência em menores. Em Limoeiro, uma psicóloga desenvolve o projeto "Ninho de Amor", como forma de celebrar a afetividade no seio familiar.
Os nomes são fictícios, mas a história é real: mal entrando na fase da puberdade, a pequena Maria, de 12 anos, moradora de Quixeré, não bastasse ter que ver as mudanças do corpo, viu a mudança de comportamento do seu pai. Escondido da mãe, "João" fazia carinhos com a mão em partes íntimas da garota, prometia presentes, agrados. Tudo em segredo. Com alguns meses, Maria engravidou. E só quando a barriguinha de grávida começou a se pronunciar a mãe, "Fátima", descobriu completamente o que estava acontecendo. Embora tivesse suas suspeitas, a incredulidade de que isso não chegasse a sua casa a fez "não ir atrás". Mas foi, sabendo do abuso sofrido pela filha que denunciou ao Conselho Tutelar, depois à Polícia, até que a Justiça proibiu que o pai se aproximasse de mãe e filha. Fátima e Maria se mudaram para Limoeiro do Norte, recomeçando a vida. Migraram pelo medo de que "João" se vingasse da denúncia. Não dormem tão tranquilas, pois os Municípios são próximos, e tem dias que o medo é senhor do destino. Mas tem uma grande diferença: "Maria" deixou de ser abusada pelo pai. E "Fátima" tem certeza da escolha que fez pela filha.
Casos como esse são acompanhados pela psicóloga jurídica Celiane Magalhães, em Limoeiro do Norte. Mas são poucas comarcas jurídicas do Interior que dispõem de um psicólogo para acompanhar esses casos. Ou seja, ir além da denúncia e da execução de penalidade. Passar a ter contato com a família, de forma a minimizar os transtornos sofridos por crianças como "Maria".
A violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil está crescendo ou, ao menos, está sendo menos acobertada, a depender das denúncias recebidas pela Secretaria de Direitos Humanos. O serviço registrou 145 mil denúncias de abuso infanto-juvenil em 2010. Foram mais de 49 mil registros só de violência sexual. Bem mais que em 2009 - foram 15,3 mil denúncias naquele ano.
Em 2010, o abuso sexual foi o tipo de violência sexual mais comum, correspondendo a 65% dos registros, seguido de situações de exploração sexual (34%) e casos de pornografia (0,6%) e tráfico para fins de exploração (0,3%). Quase 60% das vítimas são meninas. Em casos de exploração sexual, esse número chega a 80%.
Para a psicóloga jurídica Maria Celiane Moreira Magalhães, da comarca de Limoeiro do Norte, é imprescindível o acompanhamento não só da vítima como de toda a família. "As pessoas precisam se conscientizar. Eu já vi caso em que a mãe dizia que até suspeitava, nas não queria acreditar, e não havia nada mais evidente. Mas até chegar no abuso sexual, ocorrem outros tipos de violência. Não é da noite para o dia. Sabemos que existem casos que, sim, as mães podem ser negligentes, mas é preciso avaliar cada caso, pois até mesmo essas mães podem ser vítimas, pesando uma série de fatores, como a dependência financeira, dificuldade de ter outro lugar para morar", explica a psicóloga.
Os pais, notadamente as mães, precisam estar atentos aos casos de suspeita ou mesmo confirmação de violência. É quando a denúncia deve ser encaminhada ao Conselho Tutelar, que acionará a Polícia para tomar medidas protetivas e punitivas. Os conselheiros tutelares também podem informar o caso ao Ministério Público, que será envolvido dependendo do caso. Pode ser efetivada a retirada do agressor do ceio familiar, ou até mesmo a prisão. A criança ou adolescente e os familiares devem seguir com acompanhamento psicológico.
Campanha
É com essa preocupação que a Comissão da Infância e Adolescência da Assembleia Legislativa do Estado está com a campanha "Quem Cala Consente: violência sexual contra criança e adolescente é crime". A deputada Bethrose, presidente da Comissão, tem viajado pelas macrorregiões do Estado nesse projeto que esclarece sobre a dimensão do problema do abuso e estimula os pais e familiares a entenderem como se pode identificar quando uma criança esteja sendo vítima de abuso.
A parlamentar ressalta que o objetivo é de sensibilização, diante do que chama de falta do poder público de maior atenção às questões voltadas para a conscientização das famílias no que diz respeito a agressões sofridas pelos menores. A campanha estará nos 21 Municípios onde estão as Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento da Educação (Credes). Os Municípios-pólo repercutem a campanha para as cidades menores. Cada cidade formará grupo de trabalho para o Plano de Ações Estratégicas (PAE).
Registro
65%
dos registros de violência sexual contra menores em 2010 o abuso sexual foi o tipo mais comum, seguido de situações de exploração sexual (34%) e casos de pornografia (0,6%)
AÇÕES PREVENTIVAS
Maioria dos casos é praticada por familiares
Na jurisdição do Vale do Jaguaribe, embora os casos possam variam de uma região para outra, estima-se que 75% dos casos de abuso sexual são cometidos dentro de casa, por parentes, geralmente pai ou padrasto, podendo ainda, ser um tio ou primo. Outros 22% são cometidos por abusadores conhecidos da criança e que moram nas redondezas. E apenas cerca de 3% é constituído de abusadores desconhecidos da criança. Em Aracati, um projeto previne a exploração sexual: a Associação Recicriança desenvolve trabalho educativo com crianças de forma a esclarecer sobre atividades sexuais (dentre as quais o abuso), um tema muitas vezes não tratado dentro de casa. Com bonecas de pano, mas que possuem os órgãos genitais, os educadores ensinam às crianças e adolescentes a entenderem o próprio corpo. O projeto atende crianças de Canoa Quebrada e da vila dos Esteves.
A psicóloga Celiane Magalhães, de Limoeiro, diz que em casos de abuso sexual o agressor vai conquistando, "fazendo agrados, se aproximando, passando a mão no cabelo, querendo entrar no banheiro quando a criança está tomando banho, vai criando uma relação de confiança", diz a psicóloga, que tem encontrado um parceiro na prevenção desses problemas: o Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Peteca), um programa regido pelo Ministério Público do Trabalho.
Além do trabalho de acompanhamento de crianças vítimas de violência, a psicóloga Celiane desenvolve um outro programa bem diferente, mas de caráter muito próprio da prevenção aos conflitos familiares. É o projeto "Ninho de Amor". Por meio de reuniões, dinâmicas e brincadeiras, pais, mães e filhos aprendem a estimular o respeito, a afetividade familiar. A psicóloga estimula os pais a perderem a vergonha de dar uma braço no filho, dizer que ama. Chegar em casa cansado do trabalho, mas mesmo assim conversar, dialogar. E tudo isso com os filhos nos primeiros anos de vida.
Trabalho infantil
Além de constituir crime, a exploração sexual de crianças e adolescentes foi inserida pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre as piores formas de trabalho infantil elencadas no Decreto nº 6481, de 12 de junho de 2008, assim como o trabalho infantil doméstico, a atuação no tráfico de drogas e o trabalho de meninos e meninas em lixões ou na coleta de resíduos sólidos, entre outros.
O Fórum foi instalado no Vale do Jaguaribe e Sertão Central em julho de 2008. O trabalho amplia a luta em defesa dos direitos das crianças e adolescentes no interior do Estado.
Quando o próprio lar não é refúgio seguro para os problemas do mundo, a criança pode deixar de ter abrigo debaixo da asa da própria família. E se o silêncio sobre o que se passa entre quatro paredes for maior que o respeito ao próximo, o abuso sexual contra crianças e adolescentes tem aí um grande aliado: a falta da denúncia. Algozes ou também vítimas, familiares de menores que passam pelo crime de violência têm um poder da denúncia, que nem sempre é fácil, mas tem tudo para ser menos difícil do que o trauma físico e psicológico por que são vítimas os pequenos cidadãos, meninos e meninas, abusados pelo pai, ou um padrasto, tio, primo etc... No Interior, o debate está rompendo tabus e as primeiras medidas têm sido tomadas, seja por trabalho individuais do Poder Judiciário, de uma Secretaria de Assistência Social, ou agora que a Comissão da Infância e Adolescência da Assembleia Legislativa do Estado está encampando a luta contra a violência em menores. Em Limoeiro, uma psicóloga desenvolve o projeto "Ninho de Amor", como forma de celebrar a afetividade no seio familiar.
Os nomes são fictícios, mas a história é real: mal entrando na fase da puberdade, a pequena Maria, de 12 anos, moradora de Quixeré, não bastasse ter que ver as mudanças do corpo, viu a mudança de comportamento do seu pai. Escondido da mãe, "João" fazia carinhos com a mão em partes íntimas da garota, prometia presentes, agrados. Tudo em segredo. Com alguns meses, Maria engravidou. E só quando a barriguinha de grávida começou a se pronunciar a mãe, "Fátima", descobriu completamente o que estava acontecendo. Embora tivesse suas suspeitas, a incredulidade de que isso não chegasse a sua casa a fez "não ir atrás". Mas foi, sabendo do abuso sofrido pela filha que denunciou ao Conselho Tutelar, depois à Polícia, até que a Justiça proibiu que o pai se aproximasse de mãe e filha. Fátima e Maria se mudaram para Limoeiro do Norte, recomeçando a vida. Migraram pelo medo de que "João" se vingasse da denúncia. Não dormem tão tranquilas, pois os Municípios são próximos, e tem dias que o medo é senhor do destino. Mas tem uma grande diferença: "Maria" deixou de ser abusada pelo pai. E "Fátima" tem certeza da escolha que fez pela filha.
Casos como esse são acompanhados pela psicóloga jurídica Celiane Magalhães, em Limoeiro do Norte. Mas são poucas comarcas jurídicas do Interior que dispõem de um psicólogo para acompanhar esses casos. Ou seja, ir além da denúncia e da execução de penalidade. Passar a ter contato com a família, de forma a minimizar os transtornos sofridos por crianças como "Maria".
A violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil está crescendo ou, ao menos, está sendo menos acobertada, a depender das denúncias recebidas pela Secretaria de Direitos Humanos. O serviço registrou 145 mil denúncias de abuso infanto-juvenil em 2010. Foram mais de 49 mil registros só de violência sexual. Bem mais que em 2009 - foram 15,3 mil denúncias naquele ano.
Em 2010, o abuso sexual foi o tipo de violência sexual mais comum, correspondendo a 65% dos registros, seguido de situações de exploração sexual (34%) e casos de pornografia (0,6%) e tráfico para fins de exploração (0,3%). Quase 60% das vítimas são meninas. Em casos de exploração sexual, esse número chega a 80%.
Para a psicóloga jurídica Maria Celiane Moreira Magalhães, da comarca de Limoeiro do Norte, é imprescindível o acompanhamento não só da vítima como de toda a família. "As pessoas precisam se conscientizar. Eu já vi caso em que a mãe dizia que até suspeitava, nas não queria acreditar, e não havia nada mais evidente. Mas até chegar no abuso sexual, ocorrem outros tipos de violência. Não é da noite para o dia. Sabemos que existem casos que, sim, as mães podem ser negligentes, mas é preciso avaliar cada caso, pois até mesmo essas mães podem ser vítimas, pesando uma série de fatores, como a dependência financeira, dificuldade de ter outro lugar para morar", explica a psicóloga.
Os pais, notadamente as mães, precisam estar atentos aos casos de suspeita ou mesmo confirmação de violência. É quando a denúncia deve ser encaminhada ao Conselho Tutelar, que acionará a Polícia para tomar medidas protetivas e punitivas. Os conselheiros tutelares também podem informar o caso ao Ministério Público, que será envolvido dependendo do caso. Pode ser efetivada a retirada do agressor do ceio familiar, ou até mesmo a prisão. A criança ou adolescente e os familiares devem seguir com acompanhamento psicológico.
Campanha
É com essa preocupação que a Comissão da Infância e Adolescência da Assembleia Legislativa do Estado está com a campanha "Quem Cala Consente: violência sexual contra criança e adolescente é crime". A deputada Bethrose, presidente da Comissão, tem viajado pelas macrorregiões do Estado nesse projeto que esclarece sobre a dimensão do problema do abuso e estimula os pais e familiares a entenderem como se pode identificar quando uma criança esteja sendo vítima de abuso.
A parlamentar ressalta que o objetivo é de sensibilização, diante do que chama de falta do poder público de maior atenção às questões voltadas para a conscientização das famílias no que diz respeito a agressões sofridas pelos menores. A campanha estará nos 21 Municípios onde estão as Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento da Educação (Credes). Os Municípios-pólo repercutem a campanha para as cidades menores. Cada cidade formará grupo de trabalho para o Plano de Ações Estratégicas (PAE).
Registro
65%
dos registros de violência sexual contra menores em 2010 o abuso sexual foi o tipo mais comum, seguido de situações de exploração sexual (34%) e casos de pornografia (0,6%)
AÇÕES PREVENTIVAS
Maioria dos casos é praticada por familiares
Na jurisdição do Vale do Jaguaribe, embora os casos possam variam de uma região para outra, estima-se que 75% dos casos de abuso sexual são cometidos dentro de casa, por parentes, geralmente pai ou padrasto, podendo ainda, ser um tio ou primo. Outros 22% são cometidos por abusadores conhecidos da criança e que moram nas redondezas. E apenas cerca de 3% é constituído de abusadores desconhecidos da criança. Em Aracati, um projeto previne a exploração sexual: a Associação Recicriança desenvolve trabalho educativo com crianças de forma a esclarecer sobre atividades sexuais (dentre as quais o abuso), um tema muitas vezes não tratado dentro de casa. Com bonecas de pano, mas que possuem os órgãos genitais, os educadores ensinam às crianças e adolescentes a entenderem o próprio corpo. O projeto atende crianças de Canoa Quebrada e da vila dos Esteves.
A psicóloga Celiane Magalhães, de Limoeiro, diz que em casos de abuso sexual o agressor vai conquistando, "fazendo agrados, se aproximando, passando a mão no cabelo, querendo entrar no banheiro quando a criança está tomando banho, vai criando uma relação de confiança", diz a psicóloga, que tem encontrado um parceiro na prevenção desses problemas: o Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Peteca), um programa regido pelo Ministério Público do Trabalho.
Além do trabalho de acompanhamento de crianças vítimas de violência, a psicóloga Celiane desenvolve um outro programa bem diferente, mas de caráter muito próprio da prevenção aos conflitos familiares. É o projeto "Ninho de Amor". Por meio de reuniões, dinâmicas e brincadeiras, pais, mães e filhos aprendem a estimular o respeito, a afetividade familiar. A psicóloga estimula os pais a perderem a vergonha de dar uma braço no filho, dizer que ama. Chegar em casa cansado do trabalho, mas mesmo assim conversar, dialogar. E tudo isso com os filhos nos primeiros anos de vida.
Trabalho infantil
Além de constituir crime, a exploração sexual de crianças e adolescentes foi inserida pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre as piores formas de trabalho infantil elencadas no Decreto nº 6481, de 12 de junho de 2008, assim como o trabalho infantil doméstico, a atuação no tráfico de drogas e o trabalho de meninos e meninas em lixões ou na coleta de resíduos sólidos, entre outros.
O Fórum foi instalado no Vale do Jaguaribe e Sertão Central em julho de 2008. O trabalho amplia a luta em defesa dos direitos das crianças e adolescentes no interior do Estado.
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Comissão de Infância e Adolescência da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará - cia@al.ce.gov.br Telefone: (85) 3277.2500
Melquíades Júnior
Repórter
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Melquíades Júnior
Repórter
Fonte:Diário do Nordeste 15/08/2011
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