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29 de agosto de 2011

77 adolescentes em acolhimento vivem sob ameaça de morte

O Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), criado pelo Governo Federal em 2003 e implantado em 11 Estados brasileiros, não é desenvolvido na Capital cearense.
Eles têm entre 15 e 17 anos, mas a maioria entra no mundo do crime, geralmente, aos dez anos de idade. Muitos viviam em situações de alto risco e acabaram se envolvendo com o tráfico de drogas, alguns morrem e outros vivem sob ameaça. Diante do desespero da família e sem ter para onde ir eles recorrem às unidades de acolhimento.

A Equipe Interinstitucional de Abordagem de Rua de Fortaleza, realizou uma pesquisa, de janeiro a julho deste ano, em dez unidades de acolhimento na Capital, e identificou 77 adolescentes vivendo em situação de ameaça de morte.

Essa é a triste e cruel realidade da vida de João da Silva (nome fictício), 17 anos. Maltratado e espancado pelo pai, aos 11 anos decidiu optar pelo caminho mais "fácil" e ao mesmo tempo mais perigoso para conseguir a liberdade: o tráfico de drogas. "Eu tinha vontade de ter uma roupa de marca, um tênis bom, mas não tínhamos condições. Pedir para o meu pai nem pensar, ele só vivia bêbado, batendo em mim e nos meus irmãos, então resolvi ir para o crime", desabafa.

Entre o tráfico e o vício do crack ele fez muitos inimigos, e por isso, precisou mudar de bairro quatro vezes por sofrer ameaças de morte. O adolescente, que já cumpriu medidas socioeducativas por três vezes, mostra as marcas de bala espalhadas pelo corpo que poderiam ter causado a sua morte e conta ter visto muitos amigos assassinados e até o próprio irmão.

Aliviado, ele agradece a Deus por estar vivendo na unidade de acolhimento Barraca de Amizade, em Fortaleza. Contudo, não se sente protegido, já que o Estado não desenvolve nenhuma política de proteção. "Vou para a escola porque é o jeito, mas meu coração fica acelerado e tenho que andar sempre olhando para trás. Não me sinto protegido e sei que se eu sair daqui serei morto", desabafa.

A ausência de políticas públicas de proteção e, principalmente, de prevenção, está preocupando familiares, coordenadores de Organizações Não Governamentais e até o Ministério Público. Um relatório desenvolvido ano passado pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJ/CE), diagnosticou várias falhas em relação ao cuidado dispensado às crianças e adolescentes acolhidos nas 23 unidades de acolhimento de Fortaleza.

Uma das principais é acolhimento de adolescentes sob ameaça de morte, alguns deles, egressos de medidas socioeducativas. Ainda de acordo com o relatório, as entidades para onde são remetidos tais jovens não estão preparadas para lidar com esse tipo de realidade, o que acaba, no mínimo, por pôr em risco todos os acolhidos sem tal perfil, além dos educadores.

A assistente social da Instituição Barraca da Amizade, Ivannia Andrade, convive diariamente com acolhidos ameaçados de morte. Segundo ela, grande parte deles estive envolvido com o tráfico de drogas e acaba devendo aos traficantes para sustentar o próprio vício.

Para ela, um programa voltado para proteger esses adolescentes é de fundamental importância. "A maioria dos nossos meninos é usuário de drogas e já foi ameaçado. Estamos cientes de que estamos correndo um risco constante, mas não podemos deixar de abrigá-los, pois eles não têm para onde ir".

Projetos
O Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), criado pelo Governo Federal em 2003, já é desenvolvido em 11 estados brasileiros, contudo, ainda não foi efetivado no Ceará.

Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (Sejus), o programa que é ofertado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República(SDH) será gerido pela Sejus. A previsão é que o PPCAAM seja iniciado no exercício de 2012, após aprovação nacional do projeto.

POLÍTICAS PÚBLICAS

Acolhimento não é a solução

Crianças e adolescentes usuários de drogas, em situação de moradia de rua, negligenciados, ameaçados de morte, essas e outras demandas são encaminhadas para as instituições de acolhimento, como se essa fosse a única solução. Porém, para Mônica Oliveira, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente no Ceará, o ideal seria uma sociedade sem abrigos.

Segundo ela, apesar da superlotação de algumas unidades, não há uma necessidade de construção de novas casas e sim da efetivação de uma política pública voltada para prevenir que os adolescentes cheguem aos abrigos. "Não concordo que a internação compulsória é a solução. Para que os problemas sociais diminuam é necessário que as políticas cheguem às famílias, às comunidades e às escolas", ressalta.

No entanto, para Brigitte Louchez, coordenadora da unidade de acolhimento Barraca da Amizade, mais grave que manter uma criança ou adolescentes durante anos em uma unidade de acolhimento é abrigar um que esteja ameaçado de morte. Ainda segundo ela, há uma falta de vontade política em elaborar projetos para solucionar essa questão no estado do Ceará.

"Acho que o governo do Estado deve tomar uma providência rápida e severa em relação a esse problema, pois todos nós estamos correndo risco de vida. Acho que há uma negligência em relação a esse assunto", desabafa Brigitte.

Vínculo familiar
Conforme a coordenadora das Defensorias da Infância e da Juventude, defensora Erica Albuquerque, outra problemática enfrentada pelas crianças e adolescentes acolhidos, principalmente, os que vêm encaminhados do interior do Estado, é a falta de manutenção do vínculo com as famílias.

Segundo ela, o fato acontece por uma equipe técnica preparada. "Essa é uma determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas a quantidade de profissionais no Estado é muito inferior a demanda de acolhidos", ressalta. Ainda de acordo com Erica, é comum ver crianças crescendo em abrigos e com seus relatórios desatualizados, sem nenhum contato com pai, mãe ou parentes.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

O abrigo me protegerá dos traficantes?
Fábio gomes de matos
Psiquiatra e professor da UFC
Adolescentes envolvidos com drogas estão procurando proteção em abrigos públicos para escaparem das ameaças de gangues. Não se sentiam seguros em casa, nas ruas, nas praças, de fato em lugar nenhum. Por que estes "abrigos" não oferecem a segurança necessária para estes jovens? Eles, assim como nós, deveriam se sentir seguros nos espaços abertos da nossa cidade. Incrível, eles e nós fomos nos conformando com a perda dos espaços de convivência social e as gangues de traficantes foram os ocupando, e agora, pelo jeito, ameaçam também os locais, teoricamente, de proteção ao adolescente. Os novos empreendimentos imobiliários já incorporam espaços onde os jovens de classe media podem desfrutar de algum lazer e segurança. E os adolescentes das classes economicamente menos favorecidas onde poderão conviver? Onde se sentirão protegidos? Nas praças? Estas foram privatizadas como "praças" de alimentação dos shopping centers. Não é razoável nos preocuparmos com as drogas somente quando os adolescentes ficam dependentes químicos. Seria como propormos uma política de tratamento do alcoolismo somente quando o individuo já estiver com cirrose hepática. Politicas de prevenção primaria, secundaria (tratamento adequado) e terciária (jovens que querem deixar as drogas) são essenciais. Caso contrário, estaremos expondo de maneira irresponsável nossa juventude. Temos que garantir que estes jovens ansiosos que estão nas das drogas e não encontraram previamente sua cidadania nas ruas deverão encontrá-la, como reinserção social, nos "abrigos" de Fortaleza.
KARLA CAMILA
ESPECIAL PARA CIDADE
Fonte: Diário do Nordeste 29/08/2011

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