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5 de setembro de 2011

Crianças Invisíveis ao Estado



 Eles parecem invisíveis à sociedade e ao poder público. São os menores de 12 anos em situação de risco com desvio de conduta que existem, sim, e precisam de acolhimento, proteção e atenção. Mas a realidade que está bem clara é que, apesar de o Estado ser obrigado a garantir os direitos desses meninos e meninas, eles não têm acesso à escola, à saúde, à moradia e nem mesmo à brincadeira. Que futuro espera essas crianças?

Em Fortaleza, cinco dos seis conselhos tutelares registraram, de janeiro a julho de 2011, aproximadamente, 669 casos de crianças com desvio de conduta (envolvimento com drogas, pequenos furtos, roubo e até latrocínio). O Conselho Tutelar da Regional V afirmou não ter recebido nenhum menor de 12 anos nessa situação nos primeiros sete meses do ano.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o procedimento para casos de menores de até 12 anos envolvidos com "atos infracionais" são as medidas protetivas que devem ser tomadas pelo Estado ou pelo Município. Segundo a lei, eles não são infratores e não podem cumprir medidas socioeducativas e nem ter a liberdade restrita. As crianças são encaminhadas para participar de projetos sociais, realizando atividades diárias.

Os Conselhos Tutelares fazem esse papel. No entanto, esses projetos são pontuais. As dificuldades começam com a falta de dados oficiais que indiquem a quantidade de crianças que cometeram desvio de conduta para que as políticas públicas sejam aplicadas. Fora a falta de estrutura nos conselhos.

Para a vice-presidente do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica), Flor Fontenele, na fase da infância as pessoas não têm o caráter definido para se responsabilizar por "atos infracionais". "Eles não sabem discernir o que é certo ou errado", coloca. Além disso, é mais fácil recuperar e ressocializar crianças do que adolescentes e adultos, segundo Flor Fontenele.

De acordo com a coordenadora das varas da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza, Rita Emília Bezerra de Menezes, os maiores (imputáveis) se valem dos menores de 12 anos (inimputáveis) na realização de crimes, colocando-os na linha de frente, já que as crianças não podem responder legalmente pelos atos cometidos. "Os verdadeiros mentores intelectuais dos delitos colocam na mente dos menores que eles não estão fazendo nada de errado. Diante disso, as crianças começam a praticar crimes que variam de furtos até o latrocínio". Já para Rui Aguiar, gestor de programas do Unicef Ceará, a criança precisa ser exposta à oportunidade ou influenciada porque não teve orientação em casa.

Casos registrados
669 Menores de 12 anos foram encaminhados, de janeiro a julho deste ano, para os conselhos tutelares das regionais de Fortaleza, por terem cometido atos de desvio de conduta

PROJETOS SOCIAIS



Dança e esporte, medidas preventivas

Não é novidade que a solução mais eficiente para evitar que crianças sejam envolvidas em ações de desvio de conduta é a prevenção feita por meio de projetos sociais. Entretanto, são poucas as oportunidades que os menores de 12 anos encontram para fugir de uma vida de riscos.

Conforme a coordenadora das varas da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza, juíza Rita Emília Bezerra de Menezes, a melhor saída para essas crianças seria registrar todos os casos de infrações, independente da idade. Segundo ela, a ação deve ser feita em harmonia com as secretarias de Ação Social, só assim os órgãos poderão agir e elaborar projetos preventivos. "Eu defendo que a prática de esporte, uma alimentação equilibrada e o estímulo podem despertar as potencialidades dessas crianças, mas, para isso, é preciso haver políticas públicas de incentivo", reflete.

Contudo, projetos existem. Um deles é o "Crescer com Arte", da Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza (SDH), vinculado com a Coordenadoria dos Direitos Humanos de Fortaleza, em parceria com a Petrobras. O programa trabalha com 130 crianças de 7 a 12 anos do Caça e Pesca e bairros adjacentes (áreas de grande vulnerabilidade social e com altos índices de violência) em caráter preventivo. O projeto combina arte educação em oficinas de teatro, dança, capoeira, educação ambiental e incentivo aos esportes.

O "Crescer com Arte" também acompanham as famílias dos menores, na garantia da rede de direitos das comunidades. "Conseguimos sensibilizar os pais que as crianças precisam brincar e não trabalhar, o que é muito comum naquela região", conta a supervisora do projeto, Ana Carolina Silva Onofre. O trabalho passa também pela corresponsabilização para estimular a autonomia das famílias. Ana Carolina destaca a realização de acolhidas com recursos metodológicos para trabalhar questões que são frágeis nas crianças como ponto de grande importância do projeto.

Além disso, o programa realiza um trabalho de incentivo à leitura. "Propomos uma ação, através do lúdico, com crianças contadoras de histórias". Marcos Melo (nome fictício), de 10 anos, adora participar das atividades do "Crescer com Arte". "Gosto de dançar. Meu ritmo preferido é o hip-hop".

Fátima Valente, titular da 5ª Promotoria da Infância e Juventude, diz que a realidade de meninos e meninas menores de 12 anos envolvidos com a criminalidade é um retrato vivo da falta de políticas públicas e de projetos sociais. "Se existisse um ensino de qualidade em tempo integral, eles não estavam tão vulneráveis no meio da rua", conclui a promotora.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA - A história está aberta
Mara Carneiro - Assessora Comunitária do Cedeca-CE
O Estatuto da Criança e do Adolescente afirma que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurarem os direitos da criança e do adolescentes. Essas três instâncias precisam cumprir o seu papel. Não se ensina a respeitar direitos com desrespeito. Como posso querer que uma criança não viole o direito de alguém se desde do inicio da sua vida ela tem seus direitos violados? A família, a sociedade e o Estado tem que cumprir o seu papel.

A melhor prevenção é garantir os direitos. As famílias têm que cuidar dos seus filhos, mas elas não precisam ficar sozinhas. O Estado tem de entrar com as políticas garantidoras de direitos fundamentais, tais como educação, saúde, dentre outras. E também garantir as políticas de assistência social para aquelas famílias e crianças que estiverem em uma situação de maior dificuldade econômica e social. Além disso, discutir e fazer emergir uma nova sociabilidade é fundamental. Uma sociabilidade que tenha novos valores como solidariedade, respeito e união, em detrimento das práticas consumistas e individualistas que têm sido hegemônicas atualmente.

Os projetos e programas voltados para a infância são poucos e funcionam de forma precária. Além disso, as crianças que cometem ato infracional vão exigir um esforço intersetorial e multidisciplinar. Não é um programa ou um projeto que dará conta. Para mudar uma conduta de violência é necessário entender em que contexto aconteceu este ato, por isso o acompanhamento multidisciplinar com assistente social, psicólogo, pedagogo se faz necessário. Muitas vezes, é preciso mudar o cenário o que vai depender muito de caso a caso. Não existe milagre. Sem pessoas capacitadas e com estrutura para trabalhar não é possível ressignificar a vida dessas crianças. A história está aberta. Não dá para prevê o futuro.

KARLA CAMILA E LINA MOSCOSOESPECIAL PARA CIDADE/REPÓRTER
Fonte: Diário do Nordeste 05/09/2011 

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